Os números 1071-1075 do
Catecismo da Igreja Católica (CIC) falam da sagrada liturgia como fonte de
vida, e da sua relação com a oração e a catequese. A liturgia é fonte de vida,
principalmente porque é "obra de Cristo" (CIC, 1071). Segundo, porque
"é também uma ação da sua Igreja" (ibid.). Mas entre esses dois
aspectos, qual é o mais importante? E, também, o que significa neste contexto a
palavra "vida"?
Responde o Concílio Vaticano
II: "Da Liturgia, pois, em especial da Eucaristia, corre sobre nós, como
de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a
santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu
fim, todas as outras obras da Igreja."(Sacrosanctum Concilium [SC], 10).
Compreende-se assim que, quando se diz que a liturgia é fonte de vida, se quer
dizer que dela jorra a graça. Com isso, já se respondeu à primeira pergunta: a
liturgia é fonte de vida principalmente porque é obra de Cristo, Autor da
graça.
Um princípio clássico do catolicismo, no entanto, diz que a graça não tira a
natureza, mas a supõe e a aperfeiçoa (cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae,
I, 1, 8 ad 2, etc.).Por isso, também o homem coopera com o culto litúrgico, que
é ação sacerdotal do "Cristo todo inteiro", ou seja da Cabeça, que é
Jesus, e dos membros, que são os batizados. Assim, a liturgia é fonte de vida
também enquanto ação da Igreja. Justo em quanto obra de Cristo e da Igreja, a
liturgia é "ação sagrada por excelência" (SC 7), doa aos fiéis a vida
de Cristo e requer a sua participação consciente, ativa e frutuosa (cf. SC,
11). Aqui se compreende também a ligação da sagrada liturgia com a vida de fé:
podemos dizer “da Vida à vida”. A graça que nos é dada por Cristo na liturgia
exige uma participação vital: "A Sagrada liturgia não esgota toda a ação
da Igreja" (SC, 9), na verdade, " Deve ser precedida pela
evangelização, pela fé e pela conversão, e só então pode produzir os seus
frutos na vida dos fiéis "(CIC, 1072).
Não é por acaso que, no momento de recolher os escritos litúrgicos de J.
Ratzinger em um único volume, intitulado Teologia da Liturgia, se pensou
expressar uma das intuições fundamentais do autor acrescentando o subtítulo: A
fundação sacramental da existência cristã. É uma tradução em termos teológicos
do que Jesus disse no Evangelho com as palavras: "Sem mim, nada podeis
fazer" (Jo 15.5). Na liturgia nós recebemos o dom daquela vida divina de
Cristo, sem a qual não podemos fazer nada de válido para a salvação. Assim, a
vida do cristão não é senão uma continuação, ou o fruto da graça que é recebida
no culto divino, especialmente na Eucaristia.
Em segundo lugar, a liturgia tem uma relação estreita com a oração. Mais uma
vez, o foco de entendimento dessa relação é o Senhor: " A liturgia é
também participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo.
Nela, toda a oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo" (CIC,
1073). A liturgia é, portanto, também, uma fonte de oração. A partir dela,
aprendemos a rezar no modo correto. Uma vez que a liturgia é a oração
sacerdotal de Jesus, o que podemos aprender dela para a nossa oração pessoal?
Em que consistia a oração do Senhor? "Para compreender a Jesus são
fundamentais as referências recorrentes ao fato de que ele se retirava “à
montanha" e lá orava por noites inteiras, “sozinho" com o Pai. [...]
Esta "oração" de Jesus é a conversa do Filho com o Pai em que estão
envolvidos a consciência e a vontade humanas, a alma humana de Jesus, de modo
que a "oração" do homem possa tornar-se participação na comunhão do
Filho com o Pai" (J. Ratzinger/Benedetto XVI, Gesù di Nazaret, I, Rizzoli,
Milano 2007, pp. 27-28 [tradução nossa]). Em Jesus, a oração
"pessoal" não é distinta da sua oração sacerdotal: de acordo com a
Carta aos Hebreus, a oração que Jesus suportou durante a Paixão "constitui
a atuação do sumo sacerdócio de Jesus. Precisamente no seu grito, choro e
oração Jesus faz o que é próprio do sumo sacerdote: Ele eleva ao alto o
trabalho do ser humano junto à Deus. Leva o homem diante de Deus” (ibid., II,
LEV, Città del Vaticano 2010, p. 184).
Em uma palavra, a oração de Jesus é uma oração de colóquio, uma oração dirigida
na presença de Deus. Jesus nos ensina este tipo de oração: "É necessário
ter sempre viva esta relação e reconduzir-vos continuamente aos acontecimentos
cotidianos. Vamos rezar mais e melhor quanto mais nas profundezas da nossa alma
haja a orientação em direção a Deus "(ibid., I, p. 159). A liturgia,
portanto, nos ensina a orar porque nos reorienta constantemente a Deus:
"Corações ao alto – O nosso coração está em Deus”. A oração é estar
dirigido ao Senhor – e isto é também o sentido profundo da participação ativa
na liturgia.
Finalmente, a oração é "lugar privilegiado da catequese [...] em quanto
procede do visível para o invisível" (CIC, 1074-1075). Isto implica que os
textos, os sinais, os ritos, os gestos, e os elementos ornamentais da liturgia
devem ser tais, que transmitam realmente o Mistério que significam e que possam
assim serem utilmente explicados dentro da catequese mistagógica.
* Don Mauro Gagliardi é
Professor titular no Pontifício Athenaeum "Regina Apostolorum",
Professor encarregado na Università Europea di Roma, consultor do Departamento
das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice e da Congregação para o Culto
Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
Fonte:Zenit
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