quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O lugar do Sacerdote e do Altar na Liturgia Católica (Primeira Parte)


  O fato de o sacerdote, frequentemente, celebrar o sacramento da Eucaristia de frente para os fiéis é uma das mudanças mais marcantes que afetaram a liturgia católica nas últimas décadas. Essa mudança foi acompanhada pela utilização de altares isolados que, muitas vezes, acarretaram transformações tão radicais quanto discutíveis em igrejas marcadas pelo passado histórico. A impressão que se instalou - não só na opinião pública, mas também no interior da Igreja – foi a de que a posição “versus populum” do celebrante na Missa era uma obrigação prescrita pela reforma da liturgia introduzida pelo Concílio Vaticano II. No entanto, a leitura dos documentos conciliares e pós-conciliares demonstra que não é exatamente assim.

  Na Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia (Sacrosanctum Concilium), não se põe em discussão a celebração “versus populum” nem a construção de novos altares. As normas litúrgicas atualmente em vigor consideram desejável que o altar-mor de uma igreja seja afastado certa distância da parede para permitir que, ao redor dele, se dê uma volta e para que uma celebração de frente para o povo seja possível. Contudo, em nenhum caso, afirma-se que a orientação do sacerdote de frente para o povo deva ser considerada, sempre e por todos, como a melhor forma de celebrar a Missa. Muitas pessoas, desde os anos sessenta, expressaram uma opinião crítica acerca da expansão do modo versus populum de celebrar a liturgia. Ao lado do liturgista de Innsbruck, o jesuíta Josef Andrea Jungmann, e do oratoriano francês Louis Bouyer, pode-se mencionar Joseph Ratzinger - que era então um jovem teólogo que participou do Concílio e que, posteriormente, veio a tornar-se o Papa Bento XVI.[1]
  A orientação do celebrante de frente para o povo durante toda a cerimônia eucarística, na realidade, jamais foi oficialmente prescrita e nem mesmo introduzida pela reforma litúrgica. Em geral, os argumentos tirados da história da liturgia e invocados em favor da posição “versus populum” são referências à presumida prática litúrgica da Igreja dos primeiros séculos. Os argumentos propriamente teológicos, por sua vez, são derivados da noção de participatio actuosa, a "participação ativa" dos fiéis na liturgia, que havia sido apresentada pelo Papa São Pio X e, posteriormente, colocada no centro da Constituição Sacrosanctum Concilium.
  Nos últimos anos, contudo, uma nova abordagem crítica surgiu. Ela exige um aprofundamento teológico deste importante conceito em face da interpretação que foi dada no período seguinte ao Concílio. Discute-se se o fato de fiéis e sacerdote estarem permanentemente face a face seja benéfico para uma verdadeira participação dos fiéis – tal como exigida pelo Concílio Vaticano II. Em seu importante livro sobre o Espírito da Liturgia, o Cardeal Ratzinger faz uma distinção fundamental entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística em sentido estrito: “O papel secundário das ações exteriores deveria ser claramente ressaltado. Aliás, quando vem o essencial – a oratio – a ação deve desaparecer totalmente. Como também deve evidenciar-se que, somente a oratio é o essencial, por ser só ela que proporciona espaço para a actio de Deus. Quem compreendeu isto, entenderá facilmente que agora não se trata de olhar o sacerdote, nem de ver o que ele faz, mas sim olhar juntos o Senhor e aproximar-se dele”.[2]
  Nesse mesmo livro, o Cardeal Ratzinger também destacou a natureza trinitária da liturgia: cada celebração da Eucaristia é uma oração ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Qual a melhor forma de exprimir esse comportamento interior através dos gestos litúrgicos? Ora, quando falamos com alguém, nós nos voltamos naturalmente para essa pessoa. Isto também se aplica às cerimônias litúrgicas, o que implica que a oração do sacerdote e dos fiéis deve ser orientada a seu divino destinatário.[3] As expressões "de frente para o povo" ou "voltado para o povo", correntemente empregadas, não levam em consideração Aquele a quem se dirigem a prece e o sacrifício: o Senhor.
  Quanto à dimensão histórica da questão, devemos, em primeiro lugar, observar que, desde os primeiros tempos, os cristãos se voltam para o leste, em direção ao sol nascente, para orar. Considerava-se, tanto para a oração privada quanto para a celebração litúrgica, que não se devia mais continuar a seguir o antigo costume judaico de rezar voltado para a Jerusalém terrestre, mas que era necessário voltar-se para a nova Jerusalém, a cidade celeste, que o Senhor ressuscitado construiu para acolher os remidos quando retornar para julgar o mundo. O sol nascente foi considerado pelos primeiros cristãos como uma expressão adequada da esperança da parusia, do retorno de Cristo em sua glória. A orientação para o Oriente tornou-se fundamental para a liturgia e para a construção das Igrejas durante os séculos seguintes. Até o fim da Idade Média, as absides das igrejas e seus altares deveriam ser orientados para o leste, onde isso, naturalmente, fosse possível. Desta maneira, o simbolismo cósmico da Missa revestiu-se de uma forma concreta.
  Mesmo em lugares em que, provavelmente, foi regra que o sacerdote ficasse de frente para o povo, acredita-se que, em algumas igrejas dos primeiros séculos, cuja entrada era orientada para o leste, em particular em Roma e no Norte da África – o contato visual [entre o sacerdote e os fiéis] não existia, pelo menos durante a Oração Eucarística, uma vez que todos oravam de braços erguidos e com olhar voltado para o céu. Na Antiguidade e no início do período medieval seria estranho associar a participação efetiva de todos na ação litúrgica ao fato de se poder observar as ações do celebrante. Em todo caso, a celebração “versus populum”, como atualmente se entende, eradesconhecida na Antiguidade cristã. O fato de citarem como exemplo desta forma de celebrar a prática das basílicas romanas – como a de São Pedro - e a orientação dessas igrejas, seria um anacronismo.[4]

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