São Leão nasceu em Roma, de
pais toscanos, no final do século IV ou começo do V. Já na juventude
distinguiu-se nas letras profanas e na ciência sagrada. Um antigo concílio
geral diz dele: “Deus, que o havia destinado a obter brilhantes vitórias
contra o erro e a submeter a sabedoria do século à verdadeira fé, tinha posto
em suas mãos as armas da ciência e da verdade”. Tornando-se arcediago da Igreja
romana, serviu sob os Papas São Celestino I e Sixto III.
Hábil diplomata, era ele bem conhecido, pois
foi por sua sugestão que Cassiano escreveu em 430 ou 431 sua obra De
Incarnatione Domini contra Nestorium (“Sobre a Encarnação do Senhor,
contra Nestório”). E também nesse mesmo ano São Cirilo de Alexandria a ele
se dirigiu para interessá-lo em seu favor contra o mesmo herege Nestório.
São Leão foi designado para
várias missões delicadas na época. Em uma delas, em 440, foi enviado pelo
Imperador Valentiniano III à Gália, para tentar reconciliar dois dos mais
famosos personagens do Império — o comandante militar da Província, Aécio, e o
principal magistrado, Albino —, que não pensavam senão em suas desavenças em
vez de voltar-se contra os bárbaros que estavam às portas do vasto Império. São
Leão encontrava-se nessa missão quando, falecendo o Papa Sixto, foi eleito para
sucedê-lo.
Leão foi sagrado no dia 29 de setembro de
440. Um mês depois, pedia ao povo romano, reunido na basílica de São João de
Latrão: “Eu vos conjuro, pelas misericórdias do Senhor, que ajudeis com
vossas orações àquele que haveis chamado com vossos desejos, a fim de que o
espírito da graça permaneça sobre mim e não tenhais que arrepender-vos de vossa
eleição”.
São Leão considerou como um de seus
principais deveres, na qualidade de supremo Pastor, manter a disciplina
eclesiástica, nesse tempo em que a contínua invasão de hordas bárbaras
provocava desordens em todas as condições da vida; inclusive nas regras de
moralidade, que estavam sendo seriamente violadas. Foi ele extremamente
enérgico para a manutenção da disciplina, e muitos de seus sermões e decretos
vão nesse sentido.
Por influência do Papa, o Imperador Valentiniano
III promulgou um edito pelo qual estabeleceu punições contra os maniqueus. São
Próspero de Aquitânia afirma em suas Crônicas que, em conseqüência das
enérgicas medidas do pontífice contra a heresia, os maniqueus foram também
expulsos das províncias; e que mesmo os bispos orientais emulavam com Leão I na
perseguição a essa seita herética.
São Leão defrontou-se também com a questão da
heresia monofisista no Oriente, defendida por Eutiques, monge de
Constantinopla. Ensinava o monge que em Jesus Cristo havia somente uma
natureza; e não duas –– a humana e a divina –– como é o ensinamento correto.
Eutiques já havia sido excomungado por São Flaviano, Patriarca de
Constantinopla, e apelou ao Papa. Leão I, depois de investigar a questão,
escreveu uma carta dogmática a São Flaviano, com uma exposição serena e
profunda da cristologia católica. No caos das discussões, este foi o guia
seguro para os espíritos sinceros, estabelecendo e confirmando a doutrina da
Encarnação e da união das naturezas divina e humana de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Ele urgiu que um concílio se reunisse para julgar o concílio ilegalmente
realizado em Éfeso –– que condenara e depusera São Flaviano, inocentando
Eutiques – e ao qual denominou de “Concílio de Ladrões”. Foi assim reunido o
Concílio de Calcedônia, sob os auspícios dos imperadores Marciano e Santa
Pulquéria, que condenou Eutiques e Dióscoro, patriarca de Alexandria.
Um perigo de outra ordem
surgiu no horizonte. Átila, rei dos hunos, que a si mesmo chamava de “Flagelo
de Deus”, tudo destruía nas Gálias. Tongres, Treves e Metz foram pilhadas;
Troyes foi salva por São Lupo, e Orleans por Santo Aniano. Batido nas planícies
de Chalons pelos esforços conjuntos de Aécio, Meroveu, rei dos francos, e
Teodorico, rei dos visigodos, Átila voltou-se para o norte da Itália,
destruindo tudo a ferro e fogo. Muitos se refugiaram nas pequenas ilhas
existentes nas lagunas do Mar Adriático, dando origem a Veneza. Átila saqueou
Milão; e o imperador Valentiniano III, não se julgando a salvo em Ravena, fugiu
para Roma. O imperador, o senado e povo só viram uma saída para conjurar a
situação: que São Leão fosse parlamentar com o invasor. Para São Leão, sua
missão era clara: salvar o mundo cristão, e também sua pátria e seu povo. Mas a
tarefa não era nada fácil, e o sucesso imprevisível.
São Leão foi encontrar-se com o temível
bárbaro nas proximidades de Mântua, revestido de todos os paramentos
pontificais e acompanhado por sacerdotes e diáconos em trajes sacerdotais. “Como
um leão que não conhece medo nem tardança, este varão se apresentou para falar
ao rei dos hunos em Peschiera, pequena cidade próxima de Mântua, e moveu o
vencedor a voltar”, diz um cronista da época. Outro contemporâneo, São
Próspero da Aquitânia, afirma que São Leão “abandonou-se ao auxílio
divino, que nunca falta ao esforço dos justos, e o êxito coroou sua fé”. Átila
prometeu viver em paz com o império mediante um tributo anual. Fez cessar
imediatamente as hostilidades, e pouco depois, fiel à sua palavra, retornou aos
Alpes.
Os bárbaros perguntaram então a seu chefe por
que, contra seu costume, havia mostrado tanto respeito para com o Papa, a ponto
de obedecer tudo quanto ele havia proposto. Átila respondeu que “não foi a
palavra daquele que veio me encontrar que me inspirou um medo tão respeitoso;
mas eu vi junto a esse Pontífice um outro personagem, de um aspecto muito mais
augusto, venerável por seus cabelos brancos, que se mantinha em pé, em hábito
sacerdotal, com uma espada nua na mão, ameaçando-me com um ar e um gesto
terríveis, se eu não executasse fielmente tudo o que me era pedido pelo
enviado”. Esse personagem era o Apóstolo São Pedro. Segundo outra
tradição, o Apóstolo São Paulo estava também presente. Não nos resta nenhum
relato contemporâneo dessa intervenção dos Apóstolos. Mas a tradição que no-lo
narra está consagrada pela autoridade do Breviário Romano.
O Sumo Pontífice ordenou preces públicas para
agradecer a Deus tamanho benefício. Mas o povo volúvel logo se esqueceu do
magnífico favor, e se entregou às diversões como jogos no circo, teatros e
deboches. O imperador não foi o último a dar o mau exemplo da imoralidade mais
revoltante. Num sermão, São Leão aplicou ao povo as palavras de Jeremias (5,2): “Vós
os atingistes, e eles não sentiram; vós os quebrastes de golpes, e eles não
quiseram submeter-se ao castigo”. Emocionado, acrescentou: “Queira
Deus que estes males sirvam para a emenda dos que sobrevivem, e que, cessando
as desgraças, cessem também as ofensas”.
Mas sua advertência não foi atendida. Por
isso, três anos depois, São Leão já não foi tão bem sucedido com o vândalo
Genserico. O que o Pontífice pôde obter dele foi que não queimasse a cidade e
respeitasse a vida de seus cidadãos. E que estaria a salvo tudo o que se
pudesse recolher nas três grandes basílicas de Roma. Mas Roma foi saqueada
durante 15 dias. Ninguém morreu, mas muitos ficaram na miséria. O Pontífice
procurou socorrer os necessitados e reconstruir a cidade, declarando outra vez
que esses males se deviam à impiedade do povo. E exclamou: “Meu coração
está cheio de tristeza e invadido por um grande temor. Porque estão em grande
perigo os homens quando são ingratos a Deus, quando se olvidam de suas mercês e
não se arrependem depois do castigo, nem se alegram com o perdão”. São Leão
enviou missionários à África para atender os cristãos cativos que Genserico
levou consigo.
A rica coleção de cartas e sermões admiráveis
que nos legou São Leão Magno — e que lhe mereceram o título de Doutor da Igreja
— são um claro espelho da história de seu tempo. O grande Papa e santo
faleceu em Roma no dia 10 de novembro de 461, e foi declarado Doutor da Igreja
em 1754.
Fonte: O catolicismo
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