Todo Prólogo da Santa Regra tem um sabor sapiencial e é síntese da obra de São Bento. Cristo é o grande protagonista e é o Mestre. Para servi-lo e amá-lo, São Bento propõe estabelecer uma instituição: a escola. Como alude de Vogüe, já a RM (Regra do Mestre) fazia menção à “escola do serviço de Senhor” ou, como se diz noutras passagens - mais simplesmente, a “escola do Senhor”. Esta expressão, no entanto, vinha com uma carga pesada, isto é, este serviço ao Senhor seria sempre difícil e apenas um trampolim para se chegar à glória do céu. São Bento apropria-se do programa da escola, mas o completa e o eleva: a vida atual não é simples preparação dolorosa à alegria do reino, ela já possui “doçura” e, mesmo, inefável alegria devida ao amor com o qual se cumprem os mandamentos. E o que vem a ser esta alegre escola? Desejo fazer uma ligação entre a Regra de São Bento e a Pastoral paroquial. Quero propor a Paróquia como esta escola, um lugar propício de santidade para o Pároco e seus fiéis.
Segundo Colombás, vários críticos já discutiram o significado e o alcance da expressão “schola dominici servitii”. Um dos significados mais curiosos é o de “quartel”; São Bento falava do monge como soldado, por isso o mosteiro é o lugar onde o monge se exercita na milícia de Cristo. No entanto, julga-se mais conforme o contexto, quando se fala de “magisterium” e “doctrina”, interpretar “schola” no sentido ordinário de “escola”; lugar onde se aprende a servir a Cristo. Herwegen é mais escolástico e propõe três interpretações possíveis. “Schola” como:
- “Lazer”, “afastamento dos negócios públicos”, “tempo livre” para questões do espírito;
- “Indagação erudita”, “preleção”, “aula”;
- “Mosteiro”, “comunidade”.
“A linguagem figurada usada por São Bento muda tantas vezes, mesmo tratando-se de coisas essenciais, que podemos atribuir ao termo programático “schola” todos os sentidos recebidos em suas diversas transmutações. Por conseguinte, pode significar: dispensa dos negócios públicos de estado, para que o monge possa aplicar todo o tempo aos deveres religiosos; designa o lugar onde se realiza a atividade do monge (in monastério perseverantes) e, principalmente, a comunidade que, como unidade, se reúne juntamente na escola” (Sentido e espírito da Regra de São Bento).
Interessante que São Bento não disse que constituiria um “mosteiro”, mas uma “escola”. O verbo “constituere”, repetido duas vezes tem o peso jurídico de fundação, instituição de caráter definitivo e obrigatório. Penso que podemos aproximar aqui as definições e aplicadas todas àquilo que entendemos por “paróquia”; Paróquia, então, seria o lugar onde se aprende a conhecer, amar e a servir o Cristo; momento de abandonar as preocupações diárias para se lançar ao Coração de Jesus, receber instrução religiosa e moral e formar Comunidade. E que tipo de “disciplinas” seriam ensinadas nesta escola? Aprofundemos alguns temas.
Escola de humanidade
São Bento reconhece que o homem é uma espécie de “besta indomável”; na comunidade adestramos tal fera, adestramos o coração. A “pedagogia do deserto” é apresentada pelo Santo Patriarca para gerir esta escola; será o tempo de nossa “infantilidade”, o tempo do “desaprender” para aprender. Abandonamos o “velho homem”, marcado pelo pecado e damos lugar ao novo filho de Deus, experimentado na caridade.
O cristão, nesta escola, será esculpido de novo, ao modelo de Cristo, somente. O bom cristão será aquele que sempre volta ao ponto de partida, para aprender. A solidão, a administração do tempo, o conhecimento das próprias faltas e das dos outros, o esquecimento de si, a abertura do coração, tudo isto promoverá a “volta do cristão” para Deus, isto é, sua conversão. Ser humano, sobretudo, para depois se divinizar, é isto que aprenderá o fiel numa Paróquia.
Escola de equidade
Numa classe, não estão todos os alunos no mesmo nível; alguns se adiantaram, outros estão mais morosos, outros estagnaram... mas todos estão na escola! São Bento tem o cuidado de inserir a noção de equidade (fruto da discretio) na relação com os irmãos da comunidade. Apesar de ter em sua Ordem, exigência e obrigações, a escola querida pelo Santo Patriarca não deseja ser apenas lugar de coisas difíceis e penosas. Bento preocupa-se com os fracos, para que não fujam e que os fortes encontrem ali seu lugar.
“Os termos “asperum”, “grave”, lembram a rudeza e austeridade dos antigos Padres do Deserto, aspectos estes excluídos por São Bento de sua Regra. Ainda que a vida monástica seja também “servitium” (serviço), contudo ninguém deve ser levado à condição de escravo” (Herwegen). Na Paróquia, tantas são as pastorais, os trabalhos, mas em nenhuma dessas tarefas alguém será tratado de forma preconceituosa ou excludente. Há, no entanto, que se exercer a discrição, isto é, para todos se dê algo, em sua proporção e necessidade. Não podemos entender a justiça e a caridade cristãs como “divisão igualitária”, mas como respeito às individualidades, limites e potencialidades.
Escola de comunidade
A Paróquia formada pela “escola” em si é perfeita e acabada, porque se espelha no amor, porém na prática continua a formar-se e a crescer. É um organismo vivo que tende à perfeição, mas que ainda não se configura como tal. Será cada indivíduo, cada fiel que, tomando consciência de fazer parte desta Comunidade, edifica a Comunidade. Neste sentido, a Comunidade paroquial também será lugar da convivência e da exposição das virtudes e dos defeitos de cada um. Tal realidade humana tem de ser entendida na ótica evangélica, que dá equilíbrio e força capaz de fazer tal comunidade crescer junta: “Quando um tem de suportar mais do que outro, quando se deve tirar de um e dar a outro, significa isso justamente o desenvolvimento progressivo da comunidade, em silencioso equilíbrio. (...) Se um não tem caridade, os outros devem praticá-la em grau maior. Onde quer que uns fraquejem, os outros têm de trabalhar mais”(id).
Escola de amor
Nesta pedagogia do amor, aparecerão também os problemas e os desafios que não terão outro fim a não ser a conservação do amor a Deus e a caridade entre os irmãos. “Essa conservação da caridade exigirá, pois, contínuos e dolorosos sacrifícios. Esses sacrifícios tornar-se-ão frutíferos quando não forem tomados como sofrimentos pessoais, mas como virtude, sob o influxo da qual toda a comunidade se eleva e cresce”(id).
Escola do discipulado
Para São Bento, nesta escola que forma discípulos de Cristo, isto é, cristãos comprometidos com o seu batismo, o programa essencial será a escuta. Como Israel, como um filho, como um discípulo, o cristão deve “inclinar o ouvido do seu coração”. Escutar com profundidade de coração significa expulsar os barulhos, as lembranças más, os temores. E quem escuta, não seguirá mais as suas intenções, mas as d’Aquele a quem se escutou; o aluno desta escola aprende a escutar a Deus, para seguir a Deus. A preocupação de São Bento é criar um deserto no coração do monge para que Deus aí fale; nossas Paróquias devem ser menos barulhentas e mais silenciosas, para permitir um espaço privilegiado em o Senhor possa falar.
Para aprender a ser discípulo, o monge se deixará moldar pelo “pai espiritual”; não há vocação monástica sem discipulado e não há discipulado sem um mestre. Daí, ser importantíssima a figura do discípulo junto ao seu mestre e do mestre junto ao seu discípulo. Na Paróquia temos a figura do padre, o pai da Comunidade. Ele deve educar discípulos para Cristo e os discípulos devem aprender também a verem nele uma figura venerável, um guia, um luzeiro.
A solidão não apetece ao homem moderno, tão cheio de atividades e de preocupações; está a todo o momento inventando coisas para fugir dela. Em parte ele está certo. A solidão brusca, a solidão quando é vazia dói, machuca, causa incômodo, ansiedade e tristeza. O silêncio que dela procede é assustador, medonho, intragável... Mas a solidão e o consequente silêncio querido por Deus e ensinado por São Bento não é este.
O grande critério de São Bento para se entrar na “escola de serviço de Senhor” é a busca de Deus. Nesta procura, o monge é convidado pela forma de vida do mosteiro, a abandonar pouco a pouco outras buscas, outros objetivos. E quanto mais vai se aproximando da fonte, mais vai se esquecendo ou achando poucos outros refrigérios... Em nossa caminhada paroquial, quanto mais nos conformarmos ao Senhor pelos diversos instrumentos que a Paróquia nos oferece, menos precisaremos das coisas materiais ao nosso redor e até mesmo de coisas lícitas, porém não essenciais.
O silêncio regular e os outros momentos de silêncio que vamos aprendendo a ter, não consistem em “não falar”, mas em abrir espaço para falar com Deus. O silêncio na Paróquia deve ser eloquente; a solidão do cotidiano ou da vida espiritual deve ser plena de presença, da presença de Deus!
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