sexta-feira, 27 de maio de 2011

São Bento, o Mosteiro e a Paróquia



  Todo Prólogo da Santa Regra tem um sabor sapiencial e é síntese da obra de São Bento. Cristo é o grande protagonista e é o Mestre. Para servi-lo e amá-lo, São Bento propõe estabelecer uma instituição: a escola. Como alude de Vogüe, já a RM (Regra do Mestre) fazia menção à “escola do serviço de Senhor” ou, como se diz noutras passagens - mais simplesmente, a “escola do Senhor”. Esta expressão, no entanto, vinha com uma carga pesada, isto é, este serviço ao Senhor seria sempre difícil e apenas um trampolim para se chegar à glória do céu. São Bento apropria-se do programa da escola, mas o completa e o eleva: a vida atual não é simples preparação dolorosa à alegria do reino, ela já possui “doçura” e, mesmo, inefável alegria devida ao amor com o qual se cumprem os mandamentos. E o que vem a ser esta alegre escola? Desejo fazer uma ligação entre a Regra de São Bento e a Pastoral paroquial. Quero propor a Paróquia como esta escola, um lugar propício de santidade para o Pároco e seus fiéis.

  Segundo Colombás, vários críticos já discutiram o significado e o alcance da expressão “schola dominici servitii”. Um dos significados mais curiosos é o de “quartel”; São Bento falava do monge como soldado, por isso o mosteiro é o lugar onde o monge se exercita na milícia de Cristo. No entanto, julga-se mais conforme o contexto, quando se fala de “magisterium” e “doctrina”, interpretar “schola” no sentido ordinário de “escola”; lugar onde se aprende a servir a Cristo. Herwegen é mais escolástico e propõe três interpretações possíveis. “Schola” como:

  • “Lazer”, “afastamento dos negócios públicos”, “tempo livre” para questões do espírito;
  • “Indagação erudita”, “preleção”, “aula”;
  • “Mosteiro”, “comunidade”.
  “A linguagem figurada usada por São Bento muda tantas vezes, mesmo tratando-se de coisas essenciais, que podemos atribuir ao termo programático “schola” todos os sentidos recebidos em suas diversas transmutações. Por conseguinte, pode significar: dispensa dos negócios públicos de estado, para que o monge possa aplicar todo o tempo aos deveres religiosos; designa o lugar onde se realiza a atividade do monge (in monastério perseverantes) e, principalmente, a comunidade que, como unidade, se reúne juntamente na escola” (Sentido e espírito da Regra de São Bento).
  Interessante que São Bento não disse que constituiria um “mosteiro”, mas uma “escola”. O verbo “constituere”, repetido duas vezes tem o peso jurídico de fundação, instituição de caráter definitivo e obrigatório. Penso que podemos aproximar aqui as definições e aplicadas todas àquilo que entendemos por “paróquia”; Paróquia, então, seria o lugar onde se aprende a conhecer, amar e a servir o Cristo; momento de abandonar as preocupações diárias para se lançar ao Coração de Jesus, receber instrução religiosa e moral e formar Comunidade. E que tipo de “disciplinas” seriam ensinadas nesta escola? Aprofundemos alguns temas.

Escola de humanidade

  São Bento reconhece que o homem é uma espécie de “besta indomável”; na comunidade adestramos tal fera, adestramos o coração. A “pedagogia do deserto” é apresentada pelo Santo Patriarca para gerir esta escola; será o tempo de nossa “infantilidade”, o tempo do “desaprender” para aprender. Abandonamos o “velho homem”, marcado pelo pecado e damos lugar ao novo filho de Deus, experimentado na caridade.
  O cristão, nesta escola, será esculpido de novo, ao modelo de Cristo, somente. O bom cristão será aquele que sempre volta ao ponto de partida, para aprender. A solidão, a administração do tempo, o conhecimento das próprias faltas e das dos outros, o esquecimento de si, a abertura do coração, tudo isto promoverá a “volta do cristão” para Deus, isto é, sua conversão. Ser humano, sobretudo, para depois se divinizar, é isto que aprenderá o fiel numa Paróquia.

Escola de equidade

   Numa classe, não estão todos os alunos no mesmo nível; alguns se adiantaram, outros estão mais morosos, outros estagnaram... mas todos estão na escola! São Bento tem o cuidado de inserir a noção de equidade (fruto da discretio) na relação com os irmãos da comunidade. Apesar de ter em sua Ordem, exigência e obrigações, a escola querida pelo Santo Patriarca não deseja ser apenas lugar de coisas difíceis e penosas. Bento preocupa-se com os fracos, para que não fujam e que os fortes encontrem ali seu lugar.
  “Os termos “asperum”, “grave”, lembram a rudeza e austeridade dos antigos Padres do Deserto, aspectos estes excluídos por São Bento de sua Regra. Ainda que a vida monástica seja também “servitium” (serviço), contudo ninguém deve ser levado à condição de escravo” (Herwegen). Na Paróquia, tantas são as pastorais, os trabalhos, mas em nenhuma dessas tarefas alguém será tratado de forma preconceituosa ou excludente. Há, no entanto, que se exercer a discrição, isto é, para todos se dê algo, em sua proporção e necessidade. Não podemos entender a justiça e a caridade cristãs como “divisão igualitária”, mas como respeito às individualidades, limites e potencialidades.

Escola de comunidade

  O caminho paroquial se faz num lugar concreto, com pessoas humanas, logo, imperfeitas. Por isso, não cabem “teorias” nesta escola, mas “prática”; o que se aprende é para ser vivido e não apenas sabido. Não se deve ficar parado em princípios ou elucubrações, mas se deve partir para o exercício daquilo que se ouviu e aprendeu.
  A Paróquia formada pela “escola” em si é perfeita e acabada, porque se espelha no amor, porém na prática continua a formar-se e a crescer. É um organismo vivo que tende à perfeição, mas que ainda não se configura como tal. Será cada indivíduo, cada fiel que, tomando consciência de fazer parte desta Comunidade, edifica a Comunidade. Neste sentido, a Comunidade paroquial também será lugar da convivência e da exposição das virtudes e dos defeitos de cada um. Tal realidade humana tem de ser entendida na ótica evangélica, que dá equilíbrio e força capaz de fazer tal comunidade crescer junta: “Quando um tem de suportar mais do que outro, quando se deve tirar de um e dar a outro, significa isso justamente o desenvolvimento progressivo da comunidade, em silencioso equilíbrio. (...) Se um não tem caridade, os outros devem praticá-la em grau maior. Onde quer que uns fraquejem, os outros têm de trabalhar mais”(id).

Escola de amor

  Para se construir uma Comunidade, deve-se aprender da escola de São Bento, a praticar o amor sem fingimento. Primeiramente esse amor vem de Deus e para Ele deve ir. Bento vê o mosteiro como espaço físico onde Deus se debruça sobre o homem e, não obstante seu pecado, o acolhe. Para nós, a Paróquia será este lugar de amor e misericórdia. O movimento próximo de cada fiel, deve ser a caridade para com o seu semelhante. Assim o cristão, que é alguém buscado por Deus e objeto de sua solicitude, não encontra outro passo a dar que não seja a misericórdia para com o seu irmão. A Paróquia torna-se, então, lugar onde se aprende a primazia do amor a Cristo e, por Cristo, ao irmão. Esse amor é operativo. Para tê-lo, o fiel deve abraçar três virtudes básicas da ascese beneditina e que o projetarão para além de si: o silêncio, a obediência e a humildade.
  Nesta pedagogia do amor, aparecerão também os problemas e os desafios que não terão outro fim a não ser a conservação do amor a Deus e a caridade entre os irmãos. “Essa conservação da caridade exigirá, pois, contínuos e dolorosos sacrifícios. Esses sacrifícios tornar-se-ão frutíferos quando não forem tomados como sofrimentos pessoais, mas como virtude, sob o influxo da qual toda a comunidade se eleva e cresce”(id).

Escola do discipulado

  Atestam os comentadores da Regra que o Prólogo possui resquícios de uma catequese batismal. Para o catecúmeno, transformar-se em discípulo de Cristo é o seu ideal primário. Para os fiéis todos de uma Paróquia, não será diferente; o seu “segundo batismo” se dará no ato não só da “Renovação das Promessas batismais”, mas no exercício fiel e dedicado de cada ato, de cada ministério na Comunidade. Numa palavra: perseverar em Cristo!
  Para São Bento, nesta escola que forma discípulos de Cristo, isto é, cristãos comprometidos com o seu batismo, o programa essencial será a escuta. Como Israel, como um filho, como um discípulo, o cristão deve “inclinar o ouvido do seu coração”. Escutar com profundidade de coração significa expulsar os barulhos, as lembranças más, os temores. E quem escuta, não seguirá mais as suas intenções, mas as d’Aquele a quem se escutou; o aluno desta escola aprende a escutar a Deus, para seguir a Deus. A preocupação de São Bento é criar um deserto no coração do monge para que Deus aí fale; nossas Paróquias devem ser menos barulhentas e mais silenciosas, para permitir um espaço privilegiado em o Senhor possa falar.
  Para aprender a ser discípulo, o monge se deixará moldar pelo “pai espiritual”; não há vocação monástica sem discipulado e não há discipulado sem um mestre. Daí, ser importantíssima a figura do discípulo junto ao seu mestre e do mestre junto ao seu discípulo. Na Paróquia temos a figura do padre, o pai da Comunidade. Ele deve educar discípulos para Cristo e os discípulos devem aprender também a verem nele uma figura venerável, um guia, um luzeiro.
 
 Escola do silêncio

  Como aludimos acima, a escuta implicará na expulsão dos barulhos, das lembranças ruins, dos temores. Ao deixar de lado esses elementos “perturbadores”, cria-se no coração do cristão um deserto, uma solidão, onde estará a “sós com o Só”.
 A solidão não apetece ao homem moderno, tão cheio de atividades e de preocupações; está a todo o momento inventando coisas para fugir dela. Em parte ele está certo. A solidão brusca, a solidão quando é vazia dói, machuca, causa incômodo, ansiedade e tristeza. O silêncio que dela procede é assustador, medonho, intragável... Mas a solidão e o consequente silêncio querido por Deus e ensinado por São Bento não é este.
  O grande critério de São Bento para se entrar na “escola de serviço de Senhor” é a busca de Deus. Nesta procura, o monge é convidado pela forma de vida do mosteiro, a abandonar pouco a pouco outras buscas, outros objetivos. E quanto mais vai se aproximando da fonte, mais vai se esquecendo ou achando poucos outros refrigérios... Em nossa caminhada paroquial, quanto mais nos conformarmos ao Senhor pelos diversos instrumentos que a Paróquia nos oferece, menos precisaremos das coisas materiais ao nosso redor e até mesmo de coisas lícitas, porém não essenciais.
  O silêncio regular e os outros momentos de silêncio que vamos aprendendo a ter, não consistem em “não falar”, mas em abrir espaço para falar com Deus. O silêncio na Paróquia deve ser eloquente; a solidão do cotidiano ou da vida espiritual deve ser plena de presença, da presença de Deus!

 Conclusão

   Poderíamos ainda destacar outras “escolas” dentro da escola beneditina e também fazer outras alusões à vida paroquial. Podemos dizer, no entanto, que para todas as “escolas” possíveis dentro da escola de São Bento, haverá sempre alunos; nas nossas diversas Paróquias, haverá tantos irmãos diferentes e padres diferentes. Alguns destes serão mais aplicados, outros menos; alguns mais destacados, outros mais tímidos; alguns mais disciplinados, outros mais desobedientes; alguns com maior facilidade de adaptação, outros com grandes dificuldades... Para todos, porém, o aprendizado será todo o percurso da vida. “A natureza não dá saltos”, mas se perseverarmos na busca do bem, chegaremos todos a Deus e a Paróquia, lugar de peregrinos, chegará ao seu termo, pois encontraremos a Pátria definitiva.

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