Podemos começar, por
exemplo, por considerar o que tem suposto o cristianismo na história da
humanidade. Pensem como, nos primeiros séculos, a fé cristã se abriu caminho no
Império Romano de forma prodigiosa. O cristianismo recebeu um tratamento
tremendamente hostil. Houve uma repressão brutal, com perseguições sangrentas,
e com todo o peso da autoridade imperial em seu contrário durante muitíssimo
tempo (uns dois séculos).
É necessário pensar também que a religião
então predominante era um amálgama de cultos idolátricos, enormemente
indulgentes, em sua maior parte, com todas as debilidades humanas. Tal era o
mundo que deviam transformar. Um mundo cujos dominadores não tinham interesse
algum em que trocasse. E a fé cristã se abriu passo sem armas, sem força, sem
violência de nenhuma classe. E, em que pese a essas objetivas dificuldades, os
cristãos eram cada vez mais.
Obter que a religião cristã se enraizasse,
estendesse e perpetuasse; obter a conversão daquele enorme e poderoso império,
e trocar a face da terra dessa maneira, e tudo a partir de doze pregadores
pobres e ignorantes, deficientes de eloqüência e de qualquer prestígio social,
enviados por outro homem que havia sido condenado a morrer em uma cruz, que era
a morte mais vergonhosa daqueles tempos... Sem dúvida para o que não acredita
nos milagres dos evangelhos, pergunto-me se não seria este milagre suficiente.
Algo absolutamente singular na história da humanidade.
Entretanto, pergunta-a básica sobre a
identidade da religião cristã se centra em seu fundador, em quem é Jesus de
Nazaré. O primeiro traço característico da figura de Jesus Cristo — assinala
André Léonard — é que afirma ser de condição divina. Isto é absolutamente único
na história da humanidade. É o único homem que, em seu são julgamento,
reivindicou ser igual a Deus. E recalco o de reivindicado porque, como veremos,
esta pretensão não é em modo algum sinal de jactância humana, mas sim, ao
contrário, vai acompanhada da maior humildade.
Os grandes fundadores de religiões, como
Confúcio, Lao-Tse, Buda e Maomé, jamais tiveram pretensões semelhantes. Maomé
dizia profeta de Alá, Buda afirmou que tinha sido iluminado, e Confúcio e Lao-Tse
pregaram uma sabedoria. Entretanto, Jesus Cristo afirma ser Deus.
Os gestos de Jesus Cristo eram propriamente
divinos. O que de entrada surpreendia e alegrava as pessoas era a autoridade
com que falava, por cima de qualquer outra, até da mais alta, como a de Moisés;
e falava com a mesma autoridade de Deus na Lei ou dos Profetas, sem referir-se
mais que a si mesmo: "ouvistes que se disse..., Mas eu lhes digo..."
Através de seus milagres manda sobre a doença e a morte, dá ordens ao vento e
ao mar, com a autoridade e o poderio do Criador mesmo.
Entretanto, este homem, que utiliza o eu com
a audácia e a pretensão mais insustentáveis, possui ao mesmo tempo uma perfeita
humildade e uma discrição cheia de delicadeza. Uma humilde pretensão de
divindade que constitui um fato singular na história e que pertence à essência
própria do cristianismo.
Em qualquer outra circunstância — pense-se de
novo em Buda, em Confúcio ou em Maomé — os fundadores de religiões lançam um
movimento espiritual que, uma vez posto em marcha, pode desenvolver-se com
independência deles. Entretanto, Jesus Cristo não indica simplesmente um
caminho, não é o portador de uma verdade, como qualquer outro profeta, mas sim
é Ele mesmo o objeto próprio do cristianismo. Por isso, a verdadeira fé cristã começa
quando um fiel deixa de interessar-se pelas idéias ou a moral cristãs, tomadas
em abstrato, e encontra Jesus como verdadeiro homem e verdadeiro Deus.
Quando se trata de discernir entre o
verdadeiro e o falso, e em algo importante, como o é a religião, convém
aprofundar o bastante. A religião verdadeira será efetivamente a de maior
atrativo, mas para quem tem dela um conhecimento suficientemente profundo.
A verdade sobre Deus é acessível ao homem na
medida em que este aceite deixar-se levar por Deus e aceite o que Deus ordena;
na também em que o homem queira procurar Deus retamente. Por isso, é um
barbarismo dizer que os que não são cristãos não procuram Deus retamente. Há
gente reta que pode não chegar a conhecer Deus com completa claridade. Por
exemplo, por não ter conseguido libertar-se de uma certa cegueira espiritual.
Uma cegueira que pode ser herdada de sua educação, ou da cultura em que nasceu,
e nesse caso, Deus que é justo, julgará a cada um pela fidelidade com que tenha
vivido conforme a suas convicções. É preciso, logicamente, que ao longo de sua
vida tenham feito o que esteja em sua mão por chegar ao conhecimento da
verdade. E isto é perfeitamente compatível com que haja uma única religião
verdadeira.
Nesta linha, a Igreja católica destaca que os
que sem culpa de sua parte não conhecem o Evangelho nem a Igreja, mas procuram
Deus com sincero coração e tentam em sua vida fazer a vontade de Deus, conhecida
através do que lhes diz sua consciência, podem conseguir a salvação eterna.
E como assegura Peter Kreeft, o bom ateu
participa de Deus precisamente na medida em que é bom. Se alguém não acreditar
em Deus, mas participa de alguma medida do amor e a bondade, vive em Deus sem
sabê-lo. Isto não significa, entretanto, que basta sendo bom sem necessidade de
acreditar em Deus para obter a salvação eterna. A pessoa não deve acreditar em
Deus porque nos seja útil, ou porque nos permita sermos bons, mas sim, fundamentalmente,
porque acreditam que Deus é verdadeiro.
Nesta linha terá que nos mostrar um tanto
céticos diante de algumas crise de fé supostamente intelectuais, mas que no
fundo escondem uma opção por fabricar uma religião própria, à medida dos
próprios gostos ou comodidades. Quando uma pessoa faz uma interpretação
acomodada de sua religião para rebaixar assim suas exigências morais, ou não se
preocupa em receber a necessária formação religiosa adequada a sua idade e
circunstâncias, é bem provável que a pretendida crise intelectual bem possa ter
outras origens.
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