sábado, 5 de novembro de 2011

Homilia durante a Peregrinação dos 90 anos da Legião de Maria ao Santuário de Fátima


  Viemos em peregrinação ao Santuário de Fátima numa atitude de gratidão a Deus que nos beneficiou com o dom da fé e nos deu a graça de chamar a Deus nosso Pai. Viemos agradecer por nos ter dado um jeito mariano de ser e acreditar. Há nesta assembléia muitos membros da Legião de Maria, um movimento da Igreja que há 90 anos tem sido um instrumento do Espírito Santo para a evangelização do mundo por meio da devoção mariana. Todos nós aqui presentes assumimos a condição de discípulos a quem Jesus deu Maria por Mãe aos pés da cruz, ao dizer a João: Eis a tua mãe! Todos nós pedimos a sua intercessão de Estrela da Evangelização para levar ao mundo a única Palavra que salva.

  Em Maria encontramos o melhor modelo da Igreja e com ela aprendemos tudo o que um cristão precisa de saber para viver a sua condição de discípulo, que acolhe a Palavra, vive a comunhão com Deus e anuncia as suas maravilhas.  Como afirmou o Concílio Vaticano II, “a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo” (LG 63). Com ela aprendemos a acreditar, a  amar e viver em união de filhos com o Deus que se nos revelou como Pai, tal como ouvimos no Evangelho.
  A liturgia de hoje sugere-nos as atitudes centrais, que foram vividas de forma perfeita por Maria e que havemos de cultivar nós próprios enquanto membros da Igreja de que Ela é imagem e modelo.
  A fé de Nossa Senhora levou-a a proclamar Deus como o Rei e Senhor do Universo, como nos ensinava a Profecia de Malaquias, mas levou-a igualmente a proclamar Deus como o Senhor único da sua vida, a quem amou e serviu com uma vontade dócil na totalidade de si mesma. A integridade da sua vida, sem pecado, sempre fiel à aliança, disponível para em tudo dar glória a Deus, corresponde plenamente às palavras proféticas do Antigo Testamento que anunciavam a Igreja com uma vocação à santidade encarnada em Maria.
  Todos nós, enquanto Igreja, somos convidados a encarnar com humildade a nossa condição de homens e mulheres, por isso, criaturas de Deus, limitadas e fracas. No entanto, somos também convidados a viver na alegria da nossa condição de filhos de Deus, tal como referia o Evangelho ao dizer que um só é o nosso pai, o Pai celeste. Maria encarnou esta condição de filha de Deus na alegria e a sua vida foi um cântico de gratidão e alegria, sintetizado no magnificat – a minha alma glorifica no Senhor e o meu espírito se alegra (rejubila) em Deus, meu Salvador.
  A própria atitude de serviço no anúncio do Evangelho, cantada por S. Paulo na Epístola aos Tessalonicenses, brilhou de modo particular em Maria. Ninguém acolhe de forma mais marcante a Palavra de Deus no coração e na vida e ninguém a proclama de forma mais eficaz. É Ela que acolhe o Verbo de Deus no seu seio e o dá ao mundo num gesto inigualável de serviço. Não somente evangeliza, mas traz ao mundo o próprio Evangelho, a Palavra Viva de Deus, que é Jesus Cristo encarnado no seu seio.
  As palavras de Paulo referentes a todo o discípulo, que recebe e anuncia o Evangelho e referentes a si mesmo enquanto Apóstolo, aplicam-se de um modo ainda mais direto a Maria, quando fala da mãe que acalenta os filhos que anda a criar, ou naqueles que acolheram o Evangelho, não como palavra humana, mas como palavra de Deus. Em Nossa Senhora aprendemos o verdadeiro método da Evangelização: poucas palavras – as estritamente necessárias, e muita vida, ou seja, forte testemunho. O Evangelho recolhe pouquíssimas palavras suas e, no entanto, o seu testemunho é eloquente. Esta é a forma materna de ser: transmite pela afeição, pelo amor e pela entrega, mais do que pelo discurso.
  Ao longo destes 90 anos de fundação, que estamos a celebrar, a Legião de Maria tem procurado incutir nos seus membros esta maneira de ser, acreditar e evangelizar mariana e, portanto, eclesial. Numa atitude de serviço e entrega, homens e mulheres procuram fazer sua a solicitude e a ternura da mãe que acalenta os filhos que anda a criar, ou seja, procuram ir ao encontro dos que estão frágeis na esperança, ajudar os que se sentem fracos na fé, levar o auxílio material aos pobres e desprotegidos.
  No meio de tantas formas massificadas e anônimas de fazer apostolado, evangelizar ou realizar a ação sócio-caritativa, é urgente o recurso a ações caracterizadas pela relação pessoal, pela força do coração, pela solicitude e ternura própria da maneira de ser paterna e materna. De fato, não basta criar programas de assistência, de distribuição de bens, nem a criar condições econômicas, de habitação ou outras; nem sequer basta falar de Deus ou proclamar Jesus Cristo como o Salvador por meio das palavras. É necessário dar a conhecer Deus que é Pai de misericórdia, Jesus Cristo, o Irmão, que nos ama até ao fim e o Espírito Santo que nos anima nas dores e aflições.
  Não basta, por isso, uma evangelização que recorra à lógica da razão humana ou que proclame as verdades fundamentais do cristianismo. A mensagem só passa quando as palavras correspondem à vida e quando os gestos constituem a bandeira do testemunho, que arrasta. Deste modo, conosco enquanto agentes ativos, a Igreja há de fazer a nova evangelização e desenvolver a pastoral da fé para as quais nos convoca o Papa Bento XVI.
  Neste lugar de Fátima, falam mais alto os gestos de Maria e as palavras carregadas de sentido. São os gestos e as palavras que levam cada um de nós a fazer o caminho da conversão que aproxima de Deus e dos irmãos. Se queremos evangelizar o mundo – e o Evangelho é a porta da salvação – procuremos fazê-lo ao jeito de Maria, aquela que nutre viva afeição por todos os seus filhos espirituais.
  Não é comum hoje pensar-se que a evangelização e a transmissão da fé cristã constituam um gesto de caridade e amor. Há quem pense que se trata de uma perda de tempo num mundo onde há tantos problemas para resolver. No entanto, a nossa fé diz-nos que a realização da missão evangelizadora da Igreja constitui uma das melhores formas de  servir a pessoa humana, por libertar das tentações do materialismo e do pragmatismo da vida. A tarefa evangelizadora ajuda-nos a perceber que a salvação da humanidade não está somente naquilo que fazemos ou naquilo que temos, nem na procura de soluções imediatas para todos os problemas.
  A humanidade seria bem mais feliz no dia em que todos partilhássemos a certeza de que Deus é nosso Pai, no dia em que aceitássemos livremente e, como irmãos, ser parte na solução dos problemas das pessoas, no dia em que fôssemos corações evangelizados, isto é, como Maria, portadores do Evangelho de Jesus.
  Por intercessão de Nossa Senhora de Fátima, peçamos a Deus que nos dê o dom de O reconhecer como nosso Pai e que, a fim de que, como cantamos no Salmo Responsorial, somente n’Ele encontramos o sossego e a tranquilidade que procuramos, “como criança ao colo da mãe”.

Santuário de Fátima, 30 de outubro de 2011
D. Virgílio do Nascimento Antunes, bispo de Coimbra

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