Viemos em peregrinação ao
Santuário de Fátima numa atitude de gratidão a Deus que nos beneficiou com o
dom da fé e nos deu a graça de chamar a Deus nosso Pai. Viemos agradecer por
nos ter dado um jeito mariano de ser e acreditar. Há nesta assembléia muitos
membros da Legião de Maria, um movimento da Igreja que há 90 anos tem sido um
instrumento do Espírito Santo para a evangelização do mundo por meio da devoção
mariana. Todos nós aqui presentes assumimos a condição de discípulos a quem
Jesus deu Maria por Mãe aos pés da cruz, ao dizer a João: Eis a tua mãe! Todos
nós pedimos a sua intercessão de Estrela da Evangelização para levar ao mundo a
única Palavra que salva.
Em Maria encontramos o melhor modelo da
Igreja e com ela aprendemos tudo o que um cristão precisa de saber para viver a
sua condição de discípulo, que acolhe a Palavra, vive a comunhão com Deus e
anuncia as suas maravilhas. Como afirmou o Concílio Vaticano II, “a Mãe
de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da
perfeita união com Cristo” (LG 63). Com ela aprendemos a acreditar, a
amar e viver em união de filhos com o Deus que se nos revelou como Pai, tal
como ouvimos no Evangelho.
A liturgia de hoje sugere-nos as atitudes
centrais, que foram vividas de forma perfeita por Maria e que havemos de
cultivar nós próprios enquanto membros da Igreja de que Ela é imagem e modelo.
A fé de Nossa Senhora levou-a a proclamar
Deus como o Rei e Senhor do Universo, como nos ensinava a Profecia de
Malaquias, mas levou-a igualmente a proclamar Deus como o Senhor único da sua
vida, a quem amou e serviu com uma vontade dócil na totalidade de si mesma. A
integridade da sua vida, sem pecado, sempre fiel à aliança, disponível para em
tudo dar glória a Deus, corresponde plenamente às palavras proféticas do Antigo
Testamento que anunciavam a Igreja com uma vocação à santidade encarnada em
Maria.
Todos nós, enquanto Igreja, somos convidados
a encarnar com humildade a nossa condição de homens e mulheres, por isso,
criaturas de Deus, limitadas e fracas. No entanto, somos também convidados a
viver na alegria da nossa condição de filhos de Deus, tal como referia o
Evangelho ao dizer que um só é o nosso pai, o Pai celeste. Maria encarnou esta
condição de filha de Deus na alegria e a sua vida foi um cântico de gratidão e
alegria, sintetizado no magnificat – a minha alma glorifica no Senhor e o meu
espírito se alegra (rejubila) em Deus, meu Salvador.
A própria atitude de serviço no anúncio do
Evangelho, cantada por S. Paulo na Epístola aos Tessalonicenses, brilhou de
modo particular em Maria. Ninguém acolhe de forma mais marcante a Palavra de
Deus no coração e na vida e ninguém a proclama de forma mais eficaz. É Ela que
acolhe o Verbo de Deus no seu seio e o dá ao mundo num gesto inigualável de
serviço. Não somente evangeliza, mas traz ao mundo o próprio Evangelho, a
Palavra Viva de Deus, que é Jesus Cristo encarnado no seu seio.
As palavras de Paulo referentes a todo o
discípulo, que recebe e anuncia o Evangelho e referentes a si mesmo enquanto
Apóstolo, aplicam-se de um modo ainda mais direto a Maria, quando fala da mãe
que acalenta os filhos que anda a criar, ou naqueles que acolheram o Evangelho,
não como palavra humana, mas como palavra de Deus. Em Nossa Senhora aprendemos
o verdadeiro método da Evangelização: poucas palavras – as estritamente
necessárias, e muita vida, ou seja, forte testemunho. O Evangelho recolhe
pouquíssimas palavras suas e, no entanto, o seu testemunho é eloquente. Esta é
a forma materna de ser: transmite pela afeição, pelo amor e pela entrega, mais
do que pelo discurso.
Ao longo destes 90 anos de fundação, que
estamos a celebrar, a Legião de Maria tem procurado incutir nos seus membros
esta maneira de ser, acreditar e evangelizar mariana e, portanto, eclesial.
Numa atitude de serviço e entrega, homens e mulheres procuram fazer sua a
solicitude e a ternura da mãe que acalenta os filhos que anda a criar, ou seja,
procuram ir ao encontro dos que estão frágeis na esperança, ajudar os que se
sentem fracos na fé, levar o auxílio material aos pobres e desprotegidos.
No meio de tantas formas massificadas e anônimas
de fazer apostolado, evangelizar ou realizar a ação sócio-caritativa, é urgente
o recurso a ações caracterizadas pela relação pessoal, pela força do coração,
pela solicitude e ternura própria da maneira de ser paterna e materna. De fato,
não basta criar programas de assistência, de distribuição de bens, nem a criar
condições econômicas, de habitação ou outras; nem sequer basta falar de Deus ou
proclamar Jesus Cristo como o Salvador por meio das palavras. É necessário dar
a conhecer Deus que é Pai de misericórdia, Jesus Cristo, o Irmão, que nos ama
até ao fim e o Espírito Santo que nos anima nas dores e aflições.
Não basta, por isso, uma evangelização que
recorra à lógica da razão humana ou que proclame as verdades fundamentais do
cristianismo. A mensagem só passa quando as palavras correspondem à vida e
quando os gestos constituem a bandeira do testemunho, que arrasta. Deste modo,
conosco enquanto agentes ativos, a Igreja há de fazer a nova evangelização e
desenvolver a pastoral da fé para as quais nos convoca o Papa Bento XVI.
Neste lugar de Fátima, falam mais alto os
gestos de Maria e as palavras carregadas de sentido. São os gestos e as
palavras que levam cada um de nós a fazer o caminho da conversão que aproxima
de Deus e dos irmãos. Se queremos evangelizar o mundo – e o Evangelho é a porta
da salvação – procuremos fazê-lo ao jeito de Maria, aquela que nutre viva
afeição por todos os seus filhos espirituais.
Não é comum hoje pensar-se que a
evangelização e a transmissão da fé cristã constituam um gesto de caridade e
amor. Há quem pense que se trata de uma perda de tempo num mundo onde há tantos
problemas para resolver. No entanto, a nossa fé diz-nos que a realização da
missão evangelizadora da Igreja constitui uma das melhores formas de
servir a pessoa humana, por libertar das tentações do materialismo e do
pragmatismo da vida. A tarefa evangelizadora ajuda-nos a perceber que a
salvação da humanidade não está somente naquilo que fazemos ou naquilo que
temos, nem na procura de soluções imediatas para todos os problemas.
A humanidade seria bem mais feliz no dia em
que todos partilhássemos a certeza de que Deus é nosso Pai, no dia em que
aceitássemos livremente e, como irmãos, ser parte na solução dos problemas das
pessoas, no dia em que fôssemos corações evangelizados, isto é, como Maria,
portadores do Evangelho de Jesus.
Por intercessão de Nossa Senhora de Fátima,
peçamos a Deus que nos dê o dom de O reconhecer como nosso Pai e que, a fim de
que, como cantamos no Salmo Responsorial, somente n’Ele encontramos o sossego e
a tranquilidade que procuramos, “como criança ao colo da mãe”.
Santuário de Fátima, 30 de
outubro de 2011
D. Virgílio do Nascimento
Antunes, bispo de Coimbra
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