Introdução
Até a aprovação do Novo
Missal Romano pelo Papa Paulo VI em 3 de Abril de 1969, existira durante
quatrocentos anos uma unidade substancial entre os textos do Próprio da Missa
contidos no Graduale Romanum e aqueles prescritos pelo Missal Romano.
O Missal, com efeito, reproduzia os textos completos das partes cantadas da
Missa, que no Graduale Romanum apareciam em notação musical completa. Os Cantos do Próprio da
Missa são tomados pelo Missal no Graduale Romanum, e não o contrário. O
Missal, de fato, contém os mesmos textos encontrados no Graduale, mas no
Missal eles aparecem impressos sem a notação musical que lhes permite existir
musicalmente e, de certa forma, que os interpreta no contexto da Liturgia. A
roupagem melódica dos textos funciona como uma hermenêutica litúrgica,
permitindo que sejam cantados, ouvidos e recebidos à luz dos Mistérios de
Cristo e da Igreja.
Originalmente a Missa era
sempre cantada. Não foi antes dos séculos VIII ou IX que a chamada Missa Baixa
ou Missa Privada veio a ser celebrada em altares laterais e capelas privadas
das igrejas abaciais ou colegiadas. Os Cantos do próprio da Missa não eram
omitidos nas Missas Baixas; eram recitados pelo sacerdote, sozinho. Tal fato
sugere que bem antes do século VIII os Cantos do Próprio eram considerados
elementos constitutivos da Missa, vistos como indispensáveis para a própria
forma da Liturgia.
O que é o Próprio?
Revejamos, então, o que são
os Cantos do Próprio da Missa:
Introito
Se abríssemos o Missal
Romano na primeira página, encontrando nele a Missa do Primeiro Domingo do
Advento, veríamos que o primeiro elemento do próprio desta Missa, e de todas as
outras, é o Introito. O Introito é composto de uma
antífona; um versículo tomado de um salmo correspondente à antífona ou, às
vezes, de outro salmo; o Gloria Patri [Glória ao Pai]; e a repetição
da antífona.
O Introito, na forma
apresentada no Missal Romano, aparece de forma um tanto truncada, embora todos
os elementos essenciais – antífona, salmodia e doxologia – estejam presentes.
Até o século VIII se cantava um salmo inteiro, ou pelo menos grande parte de um
salmo, com a antífona repetida depois de cada versículo, e isto até que o
celebrante chegasse ao altar, ponto em que os cantores entoavam o Gloria
Patri e, depois de uma última repetição da antífona, terminavam o
Introito.
Gradual
O Gradual recebeu seu nome
da palavra latina gradus, que significa “degrau”, porque o cantor o
cantava sobre um degrau que levava ao ambão. A estrutura do Gradual é uma frase
inicial, quase sempre tomada do Saltério, seguida por um verso cantado por um
ou mais cantores. A primeira parte pode ser repetida.
O canto do Gradual
proporciona tal interval de silêncio e tempo de repouso no qual o ensinamento
há pouco recebido pode se transformar em oração, no doce movimento da Cantilena
destilando em neumas de luz um orvalho divino.
Alleluia
O Alleluia é um brado de
júbilo à aproximação do Rei que há de chegar na proclamação do Santo Evangelho;
canto cheio de mistério, deixando o território dos meros conceitos e palavras,
planando pelas vocalizações extáticas de quem foi envolvido pelo mistério
inefável.
São João relata que o
Alleluia é um hino celestial. É o canto com que os santos glorificam a Deus e
ao Cordeiro. O Alleluia é universal, encontrado em todas as Liturgias do
Oriente e do Ocidente. Esta presença universal do Alleluia no culto cristão
atesta sua grande antiguidade. Um versículo ou frase,
geralmente, mas nem sempre, do Saltério, segue o Alleluia. Depois do versículo,
o Alleluia é repetido.
Seqüência
A seqüência prolonga o
júbilo do Alleluia, juntando os neumas que dele jorram para os organizar em
melodia silábica, abrindo espaço à expressão poética do mistério celebrado. Cinco sequências permanecem
no Missal Romano: Victimae Paschali Laudes na Páscoa; Veni
Sancte Spiritus em Pentecostes; Lauda Sion Salvatorem em Corpus
Domini; Stabat Mater em 15 de Setembro [Nossa Senhora das Dores]; e o Dies
Irae na Missa de Réquiem [pelos fiéis defuntos].
Trato
Enquanto o Alleluia é a
expressão de júbilo que desafia toda expressão, o Trato é carcterístico de uma
Liturgia marcada por dor e compunção. É encontrado na Missa, principalmente, da
Septuagésima até a Páscoa. Originalmente o Trato era
cantado pelo diácono no ambão, à maneira de uma leitura. Era feito do início ao
fim sem refrão coral; é deste modo de execução que seu nome parece ter
derivado.
A substituição, na Quaresma,
do Alleluia por uma aclamação dirigida a Cristo (um modo de expressar o
Alleluia sem dizer esta palavra) empobrece o Rito Romano que, no usus
antiquior [Forma Extraordinária do Rito Romano, "Missa
Tridentina"], demonstra que é possível preparar-se para o Santo Evangelho
no silêncio de um pio lamento e compunção, tanto quanto no júbilo.
Ofertório
A Antífona do Ofertório, já
no tempo de Santo Agostinho, era cantada para acompanhar a oferta do pão e do
vinho pelos fiéis e clérigos. O Papa São Gregório Magno deu ao canto do
Ofertório uma forma semelhante à do Introito: uma antífona e vários versículos
do Saltério. A antífona era repetida antes de cada versículo; o canto durava
até que o sacerdote sinalizasse para os cantores que era o momento de terminar;
após o que ele se voltava para os fiéis para o Oratre Fratres ["Orai,
irmãos..."].
Mesmo depois que a procissão
do Ofertório, como tal, caiu em desuso, a Antífona do Ofertório continuou a ser
cantada, embora sem seus versículos. A Antífona do Ofertório, via de regra, se
toma do Saltério, embora ocasionalmente provenha de outros Livros da Sagrada
Escritura. Em alguns poucos casos, como na Missa de Réquiem, trata-se de uma composição
eclesiástica.
Comunhão
A Antífona de Comunhão com
seu salmo, estruturada como o Introito, acompanha a distribuição da Sagrada
Comunhão. Terminada a Comunhão dos fiéis, o Gloria Patri é cantado,
depois do que a antífona é repetida.
Enquanto a maior parte das
Antífonas de Comunhão se tomam do Saltério, algumas delas são retiradas do
Evangelho do dia. Estas Antífonas de Comunhão particulares, cantadas
especialmente durante a Quaresma e o Tempo Pascal, significam que o mesmo
Senhor Jesus Cristo que fala e age no poder do Espírito Santo no Evangelho da
Missa, dá-Se a Si mesmo aos comungantes para cumprir neles o que o Evangelho
proclamou e anunciou.
O Missal Romano de 1965
A revisão de 1965 do Missal
Romano manteve os Cantos do Próprio em sua integridade, tais como constam do Graduale
Romanum. Mesmo enquanto a Constituição para a Sagrada Liturgia do Concílio
Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, estava sendo implementada, não se
questionou o lugar do Próprio. Eles permaneceram elementos constitutivos
da Missa, tendo função estrutural e teológica, e não decorativa ou didática, na
arquitetura da Missa.
O Missal de 1969
Quatro anos mais tarde,
entretanto, o destino dos Cantos do Próprio da Missa parecia selado. Com
relação aos Cantos do Próprio, a Constituição Apostólica do Papa Paulo VI Missale
Romanum (3 de Abril de 1969) é confusa. Ela diz: "O texto do Graduale
Romanum não foi alterado no que se se refere à música. Para que possam ser
melhor compreendidos, entretanto, o salmo responsorial (frequentemente
mensionados por Santo Agostinho e São Leão Magno), assim como as antífonas de
entrada e de comunhão, foram revisados para uso nas Missas que não são
cantadas". Com todo o respeito ao Papa
Paulo VI, a Constituição Apostólica deixa de dizer:
1. Que a forma do Introito
foi alterada para corresponder à sentença de abertura comum nas formas
protestantes de culto;
2. Que o próprio texto
revisado da Antífona de Entrada não mais corresponderá ao teto do Graduale
Romanum e, em alguns casos, será um texto inteiramente novo, suscetível de
integração aos comentários didáticos de abertura que, no novo Ordo Missae,
podem se seguir à saudação;
3. Que mesmo os vestígios de
salmodia do Introito tradicional desaparecerão inteiramente do Missale
Romanum reformado;
4. Que os textos
tradicionais do Gradual, do Trato, dos versículos alleluiáticos serão
encontrados apenas no Graduale Romanum e não mais aparecerão junto
com o Salmo Responsorial como opção legítima no Lecionário reformado;
5. Que a Antífona do
Ofertório desaparecerá completamente do novo Missal Romano e será encontrada
apenas no Graduale Romanum;
6. Que a Antífona de
Comunhão, assim como a Antífona de Entrada, se tornará algo parecido com uma
Sentença de Comunhão, e com freqüência não corresponderá ao texto do Graduale
Romanum.
A Instrução Geral do Missal
Romano [IGMR], também promulgada em Abril de 1969, em uma única expressão (sive
alius cantus) efetivamente convidou os cupins a vir e terminar o trabalho.
Piadas à parte, o texto latino da Instrução Geral colocou três opções para os
Cantos do Próprio da Missa. São elas:
1. A antífona com seu salmo
como dados no Graduale Romanum.
2. A antífona com seu salmo
como dados no Graduale Simplex.
3. Outro canto (alius cantus)
adequado à ação sagrada e ao caráter do dia ou do tempo litúrgico, com texto
aprovação pela conferência episcopal.
A adaptação americana da
IGMR em 2002
A adaptação americana de
2002 da mesma Instrução Geral do Missal Romano alargou as opções e, ao fazê-lo,
fez com que o texto dos Cantos do Próprio da Missa Romana pareçam acessórios
remotos dispensáveis da arquitetura da celebração. Nas dioceses dos Estados
Unidos da América há quatro opções para o Canto de Entrada:
1. A Antífona do Missal
Romano ou o Salmo do Gradual Romano com a música deste mesmo livro, ou com
outra música
2. Antífona sazonal [uma
antífona geral para todos os dias de um mesmo tempo litúrgico] e o Salmo do
Gradual Simples.
3. Um canto de outra coleção
de salmos e antífonas aprovada pela Conferência dos Bispos ou pelo Bispo
Diocesano, incluindo salmos em formas responsoriais ou métricas.
4. Um canto litúrgico
adequado similarmente aprovado pela Conferência dos Bispos ou pelo Bispo
Diocesano.
A segunda opção é a antífona
e salmo do Gradual Romano; a adaptação americana acrescenta, curiosamente, que
a música pode ser a do canto gregoriano ou outra composição.
48. Se não há canto na
entrada, a antífona do Missal é recitada ou pelos fiéis, ou por alguns deles,
ou por um leitor; ou então, é recitada pelo próprio sacerdote, que pode
adaptá-la como uma explicação introdutória.
Conclusão
Permitam-me formular um
princípio, ou mesmo uma lei de evolução litúrgica. Eis: elementos de um
rito tendem a ser neligenciados e, finalmente, a desaparecer completamente,
proporcionalmente ao número de opções pelas quais possam ser substituídos ou
modificados.
Conferência proferida por
Dom Mark Kirby, OSB, no Simpósio Internacional: Concílio e Continuidade,
realizado pela Diocese de Phoenix (EUA).
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