segunda-feira, 2 de maio de 2011

Novas fronteiras para a Filosofia do Direito, aplicadas ao Direito Canônico

Livro de pesquisa: “A filosofia contemporânea do direito, temas e desafios”- Carla Faralli
  1. Ambientação
   Segundo a autora, Carla Faralli, toda a sociedade passou nos últimos quarenta anos por profundas e rápidas mudanças. Sobretudo três realidades transformaram “em cheio” o mundo em que vivemos: A informática, a pesquisa médica, sobretudo no campo da bioética e os grandes fluxos migratórios, chamada no texto de “multiculturalismo”. Para a autora, esses fenômenos teceram “novas fronteiras “para os estudiosos e, em particular, para a apreciação dos filósofos do direito. A partir daqui começa a comentar cada fronteira.
a) Informática.
A primeira das aplicações da informática no direito foi em caráter instrumental, quando foram criados os primeiros bancos de dados jurídicos e os primeiros arquivos informatizados da administração pública. Pode-se, a partir de então, verificar rapidamente dados de documentação jurídica, montar verdadeiras bibliotecas de textos, ampliar a ação dos escritórios de advocacia e fazer estudos comparados do direito, com bem menos tempo.
 A informática também modificou alguns aspectos do trabalho do jurista e das atividades suplementares desse trabalho: gerenciamento da contabilidade, arquivamento, redação e transmissão de documentos.
 Outra grande transformação se deu pelo advento da internet que revolucionou o acesso à informação e a interação entre os operadores do direito. E ainda deve-se dizer da mudança da interpretação das formas cognitivas, das estruturas lingüísticas e de sua relação com a realidade, fazendo com que o jurista deste século reveja a lógica clássica e se lance a desenvolver novas lógicas jurídicas, capazes de enfrentar os novos discursos.
b) Bioética
   A segunda fronteira é dada pelo neologismo “bioética”, que se compreende o progresso das pesquisas científicas sobre a vida e sua aplicabilidade. A bioética tange muitos e variados temas: ela vai do aborto à eutanásia, da relação médico-paciente ao transplante de órgãos, da engenharia genética à clonagem, da conservação do ambiente à tutela dos direitos dos animais.
   Para a filosofia do direito se propôs responder as novas questões trazidas pela bioética, tais como: “quando começa a vida? “Quando e até quando se pode falar de ‘pessoa’ ou ’vida humana’? “Quanta autonomia deve ser conferida ao indivíduo ao determinar a própria vida ou a própria morte?”
   Diante de tais questões é próprio afirmar com D’Agostino que a bioética deve ser acompanhada por uma “biojurídica”, para que o direito ponha limites de liberdade à intervenção do homem sobre a vida.
c) Multiculturalismo
   A terceira fronteira apresentada pela autora é a teorização do multiculturalismo, segundo o qual, a presença e a consciência de grupos culturais diferentes gerará um ideal jurídico-político próprio.
   Primeiramente estamos no âmbito da sociologia e, depois, também no campo da filosofia político-social. Para nós, importa a segunda, que interpreta o multiculturalismo diante de dois pensamentos, o liberal e o comunitário. O liberal defende a emancipação do indivíduo, enquanto que o comunitário realça a concepção do bem público, limitando o antagonismo entre identidade individual e valores socialmente transmitidos.
   A concepção multicultural busca tutelar e reconhecer tanto o individual como o comunitário e reconhecer as tradições culturais dos grupos como autêntica possibilidade de desenvolvimento de cada indivíduo. Nesse sentido, falar de “multiculturalismo” significa também falar, como faz Taylor, de “política do reconhecimento”.
2. Encontro
   Quero chamar de “encontro” a tentativa de aplicar o exposto até aqui ao Direito canônico, tendo em vista já os vinte e cinco anos da promulgação do Código de Direito Canônico.
a) Informática
   Nestes vinte e cinco anos de existência, o estudo do Código recebeu a poderosa ajuda da tecnologia informática. Não apenas os centros de estudos se modernizaram expandindo bancos de dados, bibliotecas, consultas “online”, informações, acesso aos textos legislativos, etc, mas também ganharam facilidade no envio de correspondências, processos, comunicados e interação pessoal e institucional.
   A informática ajudou no estudo do direito comparado, na pesquisa e troca de conhecimento, na comunicação entre Institutos e parceiros, Institutos e professores e alunos e no gerenciamento contábil .
   Outras transformações: notas e históricos bem registrados; aumento do debate jurisprudencial (pelo maior acesso aos processos); consultas do andamento nos processos jurídicos, principalmente nos casos de nulidade matrimonial; avanço e diferenciada pesquisa no campo canônico e, claro, rapidez na comunicação entre os diversos tribunais do mundo e a Rota Romana.
b) Bioética
Os temas da bioética vão se relacionar diretamente com o direito canônico no que toca o sentido de pessoa. Como disse D’Agostino, há necessidade de uma “biojurídica” ao lado da bioética, que possa tutelar os direitos da pessoa, desde sua concepção. Juridicamente o feto é pessoa verdadeira, porém incompleta, pois tendo direito à vida, ainda não pode cumprir nenhum dever. Como para o direito canônico é de suma importância a compreensão de “pessoa” e suas implicações para a vida cristã, a ponte entre bioética e direito, está cada vez mais estreita.
O interesse do direito canônico quanto ao avanço e desenvolvimento da bioética se dá em grau superior pela preocupação em salvaguardar a dignidade da pessoa humana. Esta salvaguarda, pelo direito, se dá por meio das leis. Daí se pergunta: Nossa legislação canônica está preparada para absorver os novos conceitos trazidos pelas pesquisas científicas atuais? O direito canônico ainda pode dialogar com as questões éticas trazidas à baila pela bioética? Penso que não! Já há uma lacuna quanto a temas controversos, distanciando o discurso legal da Igreja em relação à realidade das pessoas e dos fiéis.
O Romano Pontífice, em seu discurso ao Pontifício Conselho para os textos legislativos no aniversário de vinte e cinco anos da promulgação do Código de Direito Canônico, fez uma alusão à unidade entre lei e Igreja quando disse que “há estreito vínculo entre lei da Igreja e vida da Igreja”; se a lei da Igreja rege a Igreja, a vida da Igreja deve estar contemplada em sua lei. Não vivemos mais numa Igreja “sociedade perfeita”, vivemos numa Igreja inserida no mundo e num mundo atual extremamente  repleto de novidades.
c) Multiculturalismo
Como acenei a pouco, a Igreja está inserida numa realidade ampla e complexa, cheia de novidades e de desafios. Sua lei também deve se preocupar com o tema da cultura, já que a própria construção do seu corpo legislativo recebeu influência das culturas germânica e romana, para não dizer outras.
No decorrer da História encontramos fases ou épocas que produziram um modo de ser e um modo de encarar o tempo, o trabalho, a religião, etc, bem diversos. Neste desenrolar da história foi-se produzindo a cultura e seus respectivos valores. Antes, as culturas e os valores foram tão marcantes que criaram épocas bem distintas e civilizações bem díspares. Hoje, estamos numa “casa comum”. O fenômeno da globalização trouxe-nos a experiência do multiculturalismo, onde vários grupos culturais diferentes se encontram nesta casa.
A Igreja, que faz parte desta casa, deve dialogar com esta nova cultura e se lançar na experiência de reconhecer os indivíduos e respeitar os grupos. Cabe à Igreja, por meio de seu direito, saber trabalhar a identidade individual sem antagonismos com os valores sociais.
Em seu Código, a Igreja fez referência a muitas destas realidades diferenciadas, contemplando indivíduos e grupos. No entanto, diante de uma sociedade com tantos e diversos apelos, ela deve agora expandir seus conceitos e clarificar idéias, para se fazer ouvir e entender.
                                                        
3. Novas fronteiras
Diante da problemática levantada por Carla Faralli e da reflexão junto ao direito canônico, penso na grande responsabilidade de estudiosos do direito e no amplo campo a ser trabalhado para aprofundar e absorver essas e outras novas fronteiras.
Para a reflexão da Filosofia do Direito (canônico) creio até que o termo “novas fronteiras”, utilizado pela autora, não se configuraria o melhor, já que “fronteira” demarca, põe limite; se tudo isto está em movimento, em progresso - a informática, a bioética, o multiculturalismo e outros fenômenos, não podemos pensá-los como fim, como termo, mas como uma obra em aberto. Proponho “novos horizontes”, pois o horizonte – parecendo o fim - se abre sempre para um além.
Por esta reflexão neste trabalho, suponho que para abarcar estes novos horizontes, a Igreja possa escolher uma dessas três possibilidades: legislação complementar, reforma do Código ou criação de outro Código.
A primeira possibilidade é menos traumática e seria uma espécie de “vademecum” dos canonistas, um estudo aprofundado dos temas atuais e mais relevantes, com  fundamentos nos próprios cânones do Código de Direito Canônico atual. É claro que esta alternativa esbarraria em muitos limites do texto legislativo e até mesmo mudaria a hermenêutica de muitos cânones.
A segunda tem a ver com algo mais elaborado. Boa parte do Código permaneceria, porém com muitos acréscimos a fim de tocar nos novos assuntos. Não seria propriamente uma descaracterização do Código, mas uma ampliação de conceitos.
A terceira possibilidade é a mais radical: criar um novo Código, segundo as novas necessidades. É claro que muitos conceitos “antigos” ficariam, porém alguns um tanto equívocos desapareceriam e outros ambíguos, seriam objetivados. A criação de um novo Código, no entanto, certamente estará atrelada a um novo Concílio Ecumênico, que daria as diretrizes para uma nova lei da Igreja.

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