A celebração do Dia da Pátria, no
aniversário da independência do Brasil, oferece-nos a ocasião para algumas
considerações. Como pessoas de fé estamos conscientes de que não temos aqui
cidade permanente, mas estamos a caminho da pátria que há de vir (cf Hb 13,14);
mas temos também clara consciência de sermos cidadãos deste mundo, com uma
pátria que nos acolhe e serve de casa; somos membros de um povo, com o qual nos
identificamos e para cujo bem estamos – e devemos estar – inteiramente
comprometidos.
É bem verdade que a globalização vai trazendo à tona, sempre mais, a
noção da pertença a uma família humana grande e única, com a qual nos devemos
sentir ligados e solidários. A própria Igreja, na sua antropologia e no seu
magistério social, vai divulgando esta consciência e não poderia ser diferente.
Cremos num único Deus e Pai, que a todos quer bem, como a filhos, e quer que
vivam como irmãos. Um povo não pode ser indiferente aos outros, nem deixar de
se interessar pelo bem e pela sorte sempre mais compartilhada por todos os
membros da comunidade humana. Limites territoriais, tradições culturais,
diferenças raciais, heranças históricas e interesses econômicos, em vez de
contrapostos, deveriam ser cada vez mais conjugados e harmonizados.
A recente Jornada Mundial da Juventude, em Madri, com a participação de
jovens de 170 países diferentes, convivendo em harmonia e solidariedade, e
compartilhando os mesmos princípios essenciais, mostrou que o sonho de uma
família humana integrada e vivendo em paz não é irreal. A impressão que se
tinha, é que todos fossem irmãos, filhos de uma única grande família, onde as
diferenças não dividiam, mas somavam e enriqueciam.
Isso mesmo também já pode acontecer em nosso Brasil? Somos um país
imenso, com uma variedade muito grande de etnias, tradições culturais,
situações locais e regionais, com riqueza e pobreza que se mesclam por toda
parte e desníveis sociais ainda imensos, apesar do esforço que já se faz para a
superação da miséria e para possibilitar a ascensão social da grande massa de
pobres, que o país ainda tem. Nosso país pode ser justo e solidário, como
convém aos membros de uma mesma família?
É nisso que acreditamos; e nesta tarefa, todas as pessoas de fé são
chamadas a participar com convicção e esperança. Para nós, cristãos e
católicos, de modo especial, está claro que a fé não pode ser desvinculada de
nossa participação na edificação do mundo, à luz dos valores do reino de Deus.
Bom cristão também precisa ser bom cidadão. O ensino social da Igreja traz-nos
as diretrizes para traduzir o Evangelho para o nosso viver e agir neste mundo.
Além de cumprir os deveres cívicos, como os demais cidadãos, qual outra
contribuição as pessoas de fé podem dar para o bem de um povo? Esta questão
mereceria uma longa reflexão, pois nos introduz no próprio sentido da religião,
frequentemente questionado. Temos algo de próprio para contribuir para o bem da
humanidade e da Pátria. A própria fé em Deus, bem vivida e manifestada
publicamente, com as convicções que dela decorrem traduzidas em cultura, é uma
contribuição fundamental para o bem comum. A fé bem vivida e testemunhada
enriquece o convívio social, de muitos modos.
Quando se dá espaço para Deus, também o homem cresce em importância: sua
dignidade, seus direitos e o sentido de sua vida neste mundo são iluminados.
Quando se exclui Deus do convívio humano, da esfera privada ou pública, começam
a pairar sombras sobre a existência humana e a faltar bases sólidas para os
valores e as virtudes e as relações sociais. Ter fé em Deus e manifestá-la
abertamente, indo às suas consequências éticas e antropológicas, faz bem à
Pátria.
Publicado em O SÃO PAULO, ed. de
06.09.2011
Cardeal Odilo Pedro Scherer é
arcebispo de São Paulo
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