A reportagem é de Andrea
Tornielli, publicada no jornal La Stampa, 15-12-2011. A tradução é de Moisés
Sbardelotto. Ele (o Papa) comparou as suas visões às dos profetas do Antigo
Testamento, cita-a frequentemente e dedicou-lhes duas catequese na audiência
das quartas-feiras. Indicou-a como exemplo de mulher teóloga, elogiou suas
composições musicais ainda hoje executadas realizada, assim como a coragem que
lhe fazia enfrentar Frederico Barba-Ruiva, a quem comunicava admoestações
divinas.
Bento XVI está muito ligado à
figura de Santa Hildegard de Bingen e pretende proclamá-la, em outubro de
2012, "Doutora da Igreja": um título raro e solene, atribuído a
santos que, graças à sua vida e aos seus escritos, foram iluminadores para a
doutrina católica. A Igreja reconheceu até hoje 33 "doutores", trinta
dos quais são homens. As mulheres da lista são apenas três: Teresa de
Ávila,Catarina de Sena e Teresinha de Lisieux, as duas
primeiras proclamadas por Paulo VI em 1970, a última por João
Paulo II em 1997. Agora, Ratzinger quer acrescentar uma quarta
ao elenco, convidando assim as mulheres a seguir o exemplo da mística renana e
a contribuir com a reflexão teológica.
Hildegard, última de dez irmãos da
nobre família dos Vermessheim, nasceu em 1098 em Bermersheim, na Renânia,
e morreu com 81 anos em 1179. A etimologia do seu nome significa "aquela
que é audaz na batalha", uma primeira profecia que se realizaria
plenamente. Devotada pelos seus pais à vida religiosa desde quanto tinha oito
anos, tornou-se beneditina no mosteiro de São Disibodo. Depois, tornou-se
priora (magistra) da comunidade feminina e, dado o número sempre crescente de
aspirantes que batiam em seu convento, decidiu se separar do complexo monástico
masculino, transferindo a sua comunidade para Bingen, onde passou o resto
da sua vida.
Desde jovem, ela recebera visões
místicas, que eram postas por escrito por uma coirmã. Temendo que fossem apenas
ilusões, pediu conselho a São Bernardo de Claraval, que a tranquilizou. E,
em 1147, obteve a aprovação doPapa Eugênio III, que, enquanto presidia um
sínodo em Trier, leu um texto de Hildegard. O pontífice a autorizou a
escrever as suas visões e a falar em público. A sua fama se espalhou
rapidamente: os seus contemporâneos atribuíram-lhe o título de "profetisa
teutônica" e de "Sibila do Reno".
A mística, santa para o povo, mas
jamais oficialmente canonizada, à cuja figura é dedicado o filme Vision,
de Margarethe von Trotta, na sua obra mais conhecida, Scivias ("Conhece
as vias"), resume em 35 visões os eventos da história da salvação, desde a
criação do mundo até o fim dos tempos. "Com os traços característicos da
sensibilidade feminina – disse Bento XVI sobre ela –, Hildegard desenvolve
o tema do casamento místico entre Deus e a humanidade realizado na encarnação.
Sobre o madeiro da cruz, realizam-se as núpcias do Filho de Deus com a Igreja,
sua esposa, capacitada a doar a Deus novos filhos".
Para o Papa Ratzinger, que, ao
lembrá-la, há um ano, havia encorajado as teólogas, é evidente, justamente a
partir de exemplos como o de Hildegard, que a teologia pode "receber
uma contribuição peculiar das mulheres, porque elas são capazes de falar de
Deus e dos mistérios da fé com a sua peculiar inteligência e
sensibilidade".
Não faltam nas suas visões profecias de
curto prazo, como aquela sobre a afirmação da heresia cátara, mas também
lampejos apocalípticos, como o do Anticristo que semeará a morte entre os povos
"quando, sobre o trono de Pedro, sentar-se um papa que tomará o nome
de dois apóstolos". Ou aquela em que ela faz resplandecer a possibilidade
de que um muçulmano convertido ao cristianismo, tendo-se tornado cardeal,
assassine o papa legítimo porque quer o seu trono e, não conseguindo obtê-lo,
proclama-se antipapa.
A história de Hildegard atesta
a vivacidade cultural dos mosteiros femininos da época e contribuir para
desfazer certos preconceitos sobre a Idade Média. Ela era uma monja, teóloga,
cosmóloga, botânica, musicista: é considerada a primeira mulher compositora da
história cristã. Sabia governar, condenava as imoralidades dos sacerdotes que,
com os seus pecados, faziam com que "as feridas de Cristo continuem
abertas", enfrentava os próprios bispos alemães. Assim como Frederico
Barba-Ruiva, a quem fez chegar uma mensagem da parte de Deus, depois que o
imperador havia nomeado pela segunda vez um antipapa: "Eu posso abater a
malícia dos homens que me ofendem. Ó rei, se vos é importante viver, ouvi-me,
ou a minha espada vos transpassará".
A monja alemã também é a padroeira dos
estudiosos de esperanto, por ter sido a autora de uma das primeiras linguagens
artificiais, a língua ignota, um idioma secreto que ela utilizava para
fins místicos e era composta por 23 letras. Ela mesma a descreve em um códice
que também contém um glossário de 1.011 palavras na "língua ignota".
A Congregação para as Causas dos
Santos, liderada pelo cardeal Angelo Amato, está concluindo o estudo dos
documentos sobre Hildegard. Embora os papas sempre tenham permitido o seu
culto na Alemanha – o último a se expressar nesse sentido havia sido Pio
XII –, a mística renana jamais foi realmente canonizada, porque o processo
que havia sido aberto meio século depois da sua morte foi interrompido.
Por isso, prevê-se que o Papa
Ratzinger, que já a chamou de "santa" mais de uma vez nos seus
discursos, irá canonizá-la oficialmente antes de inscrevê-la na lista exclusiva
dos doutores cuja vida e cujas obras foram iluminadores para a doutrina
católica.
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