sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Hoje é a Festa da Sagrada Família


  A Festa da Sagrada Família tem as suas origens no fim do século XIX. A Igreja inquietava-se então com o que considerava a decadência moral: o progresso do “naturalismo” devido aos avanços da ciência, a penetração do ateísmo e a autonomia cada vez maior da política e do direito em relação à Igreja. Certos Estados chegaram mesmo a aprovar legislação que permitia o casamento civil. E viam-se cada vez mais casais compostos por católicos e não católicos.

  Por isso os papas tentaram valorizar a comunidade familiar como instituição propriamente cristã, fundada sobre o Evangelho. Assim, a 26 de Outubro de 1921, o Papa Bento XV instituiu um dia consagrado especificamente à Sagrada Família.
  A passagem evangélica para esta festa era a mesma da data escolhida para a sua celebração (Domingo a seguir a Epifania): Lucas 2, 41-52. O trecho bíblico situava-se na continuidade das leituras do ciclo do Natal: depois da manifestação aos pastores e aos magos, o Menino expressava-se aos sábios, em Jerusalém. No entanto, a introdução da festa fez com que se desvanecesse a evocação da manifestação de Jesus no Templo de Jerusalém, em detrimento da acentuação da sua família.
  Com a reforma do calendário litúrgico ocorrida após o Concílio Vaticano II, a Festa da Sagrada Família transitou para o coração do Natal, no dia 30 de Novembro ou Domingo a seguir ao dia 25 de Dezembro. Do ponto de vista pastoral, pode encontrar-se um certo interesse: o Natal é uma festa intimamente ligada à vida familiar, pelo que a escolha da data nada tem de incongruente, bem pelo contrário. Contudo, a perspectiva com que a narrativa é abordada não lhe faz justiça. Lembremos que o texto centra-se, antes de tudo, na revelação de Cristo como Filho de Deus, e não tanto na sua família humana.
  Ainda assim, é sempre possível refletir sobre a família, sem perder de vista a questão da manifestação de Jesus. Com efeito, é interessante sublinhar que o evangelista Lucas situa esta revelação no quadro de uma cena muito simples. José, Maria e o Menino participam na peregrinação anual, tal como hoje muitas pessoas saem de casa para visitar os familiares durante o período das festas. Nada de extravagante como acontecimento: é quase uma rotina. Mas o ambiente da festa litúrgica constitui, sem dúvida, uma condição favorável ao despertar espiritual...
  Se o contexto é relativamente modesto e, por assim dizer, comum, o mesmo não se pode dizer da maneira como Jesus manifesta a sua identidade profunda. Ele desaparece da vista dos seus parentes durante três dias. Quando o reencontram, está a conversar com os sábios do Templo! Jesus acabava de desorientar a vida tranquila da sua família: a narrativa refere que os seus próximos “ficaram assombrados”.
  Esta cena convida-nos a reconhecer que o Senhor pode manifestar-se em todas as dimensões da nossa vida, inclusivamente no meio familiar. E, por vezes, os efeitos da sua presença podem provocar espanto ou incompreensão. Em nome da sua fé, uma pessoa poderá fazer escolhas ou comprometer-se na sociedade de uma maneira que perturbe a célula familiar.
  Como reagir numa situação semelhante? Lucas propõe discretamente a figura de Maria: “Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração”. Esta frase curta comporta um ensinamento de grande riqueza e de duplo alcance.
  Em primeiro lugar, a atitude de Maria está marcada pela sabedoria. Ela ilustra a aceitação de que nem sempre se pode compreender e controlar o que acontece na nossa vida, incluindo o que acontece no nosso contexto mais imediato. Maria toma consciência de que há alguma coisa no seu filho que lhe escapa. Não somente porque ele é Filho de Deus, mas também porque é inteiramente um ser humano.
  Por outro lado, Maria nunca procura disfarçar, abafar ou desembaraçar-se destes acontecimentos. Pelo contrário, dá-lhes um lugar privilegiado: “no seu coração”. O que acabou de suceder está longe de ser uma ocorrência banal: o seu filho fugiu e respondeu aos parentes em tom de censura. Não se trata de curar as feridas, mas de reconhecer que, muitas vezes, é preciso um tempo de maturação para dar sentido a um acontecimento.

Fonte: Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura de Portugal

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